Levi
Freire Jr é guia de turismo internacional há mais de 10 anos e possui
grandes experiências em viagens por diversos países da Europa, Estados
Unidos e países sulamericanos como Argentina, Chile e Colômbia.
Além de turismólogo, Levi é bacharel em Direito e a sua pretensão é se especializar em direito internacional.
Antecipando o tema do 1º Pré-CLIC
ele concedeu uma entrevista exclusiva, em que partiu de suas
experiências e também de seus estudos para falar um pouco da América
Latina, dando ênfase na relação do Brasil com o continente que, de um
modo geral, por vezes parece tão distante da nossa realidade.
Não perca o 1º Pré-CLIC que será na próxima terça (13/03), às 19h na Livraria Saraiva.
Por Ana Carolina Almeida
Fotos: Mariana Almeida
● Ana Carolina Almeida –
Por sua experiência de guia turístico e viagens por diversos países da
Europa, Estados Unidos e países sulamericanos como Argentina, Chile e
Colômbia, há realmente um distanciamento do Brasil em relação aos países
latinos que conheces?
● Levi Freire Jr. – Sim,
há um total distanciamento O primeiro logo notável é com relação à
própria língua. A dificuldade de nós nos comunicarmos com eles. Muitas
pessoas dizem que o falar “portunhol” é o mesmo que falar espanhol ou o
português, mas não é assim. O que eu vejo é um mútuo desinteresse em
ambos realmente tentarem se comunicar entre si.
● Ana Carolina Almeida – Em que o Brasil pode ser considerado latino? E o que ele não pode?
● Levi Freire Jr. – Bem,
é uma pergunta complexa, porque a gente precisa resgatar um pouco da
história e do contexto em que o rótulo “América Latina” foi cunhado: ele
surgiu no século XIX, por volta dos anos de 70, 80 em virtude da
invasão francesa no México e para que pudesse determinar até onde iriam
seus domínios eles cunharam o termo América Latina; mas de fato o termo
só virou uma espécie de sinônimo para “países que estão na américa do
sul”.
● Ana Carolina Almeida – É só o Brasil que “não é da América Latina” ou outros países do continente também? Quais e por quê?
● Levi Freire Jr. – Olha,
eu penso que existem outros países que não se sentem parte da América
Latina. Por exemplo, o México e Porto Rico se sentem muito mais
norte-americanos e convivem muito mais com a américa do Norte.
Pensando
melhor, ao meu ver nenhum país se SENTE Latino-Americano. Eles sabem
que fazem parte de um âmbito territorial, mas no final, a América Latina
é uma grande colcha de retalhos que parece que anda junto por que falam
a mesma língua, mas que na verdade não se identificam entre si.
Então
por ser uma colcha de retalhos, talvez a unificação seja possível de
outras maneiras, não tanto para o lado cultural, mas para uma
convergência econômica.
● Ana Carolina Almeida –
Para você quais são os principais fatores para o Brasil não se
considerar “latino americano”? Isso se deve a quê? É algo midiático,
político, da população (cultural) ou outra causa?
● Levi Freire Jr. – Inicialmente
isto se dá pela língua. Como eu havia dito está é uma questão
importante, mas não é de fato única e sozinha. O outro grande ponto é a
questão é falta de identificação. Esta também se dá por uma série de
subfatores, como a questão cultural, o tipo de colonização, a política
individual de cada país e também, a sua economia.
Pensa
só comigo, são (salvo o engano) 21 países pertencentes à América
Latina, sendo que 16 desses países têm como língua oficial o Espanhol.
Agora, veja bem, nós fomos colonizados por portugueses, a nossa
identificação, quando a gente olha em nível de América Latina parece que
não se encaixa mesmo, por que a nossa raiz histórica foi completamente
diferente das deles.
Assim,
quando a gente olha para algum país que queremos nos identificar a
gente logo se relaciona a Portugal, ou outro país da Europa e até mesmo
os Estados Unidos. A gente nunca se identifica com a Argentina, Colômbia
ou a Venezuela. Sempre eu vou olhar além.
A
questão da chamada língua materna, que é onde a gente tem as raízes
culturais desse povo, também é um fator importante. Por mais que pareça
que não, a influência das línguas maternas nestes povos ainda é
considerável, tornando-os, talvez mais próximos entre si e distantes de
nós. Sem contar que a questão da colonização, como já disse é
determinante para esta situação, não podemos esquecer, é claro, de citar
que além dos portugueses também fomos fortemente colonizados por
africanos, então a gente pode até mesmo apontar que nos relacionamos
muito mais aproximadamente com a África do que a própria América Latina.
O
Brasil tenta se integrar com a América Latina por questões políticas e
econômicas e não por questões identitárias e isto não pode ser
esquecido, pois é importante para se entender as relações que existem
entre os participantes do Mercosul.
Citando
a questão da União Europeia, a gente visualiza que se trata de outro
histórico. Por diversas vezes o continente europeu foi uma coisa só, foi
integrado. Em virtude de um contexto específico (por exemplo, quando
Napoleão invadiu a maior parte do continente.), a gente percebe que
estes momentos foram determinantes para fazer com que o europeu se sinta
europeu, nunca esquecendo que o europeu é europeu E a sua
nacionalidade. Ele nunca vai te dizer que é apenas europeu, ele vai
dizer que é também italiano, também inglês, também francês.
Dentro
desse globo, se a gente for parar para pensar, a Itália é o único país
em que se fala italiano, ou seja, essa língua poderia ter sido
suprimida, engolida pelos outros países, então a gente conclui que o
fazer parte, se denominar como parte de algo é muito mais do que está
conectado ou próximo, é criar uma espécie de vínculo identitário, mas
sempre preservando a sua identidade nacional e respeitando a outra
cultura e o território do outro.
O
Brasil não consegue se sentir, na minha opinião, parte da América
Latina por uma questão territorial. 40% da América Latina é o Brasil,
então você pode entender que o Brasil nem mesmo se conhece e por não se
conhecer ele não consegue conhecer seus vizinhos (que são vizinhos
pequenininhos, comparando o tamanho do Brasil).
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Para Levi a integração entre os países latinos é difícil pois "Cultura
é cultura. A identidade vem dela também, então não é possível ela ser
agregada sem que se haja perda. E ninguém quer perder a sua
identidade." |
● Ana Carolina Almeida
– Em uma conversa anterior, você contou um problema vivido em Buenos
Aires e de um possível “recalque” que existe em nossos “hermanos”
argentinos em relação a nós. O que significa este recalque? Como isto se
dá? E de brasileiros para os outros países latinos? Existe também, se
não recalque, algum sentimento parecido?
● Levi Freire Jr. – Quando
a gente fala da Argentina, a gente percebe que ela teve a oportunidade
de se desenvolver muito culturalmente, transformando Buenos Aires, por
exemplo, em um grande centro artístico, arquitetônico e culto na América
Latina. Percebemos toda a influência europeia que existe, se
considerando a Europa na América. Se a gente observar a gente vai
perceber que, de fato o argentino lê muito mais e procura muito mais
informações para sua própria educação.
Com
toda essa questão intelectual o argentino acaba se colocando como
superior ao brasileiro e até mesmo aos outros países sul-americanos.
Quando ele faz isto, ele acaba causando uma reação, muitas vezes
generalistas. Se você é tratado mal por um argentino, vai sair da
Argentina dizendo que todos os argentinos são grosseiros.
Destaco
também, não só o que diz respeito ao intelectual, mas também o
cultural. Os argentinos argumentam que sua cultura é mais original que a
do brasileiro. Dizem que nós, por causa das variadas manifestações
culturais dentro do país, não temos uma cultura original, límpida e
nacional.
Mas
acredito que o recalque fica bastante dentro da questão econômica.
Ainda existe muito aquilo do argentino não aceitar o Brasil com um
desenvolvimento econômico maior. Por exemplo, no final do Governo Lula
em 2010/2011, o Brasil foi responsável por quase 43% da Balança
Comercial da América Latina, contra 7% da Argentina.
Em
relação ao Brasil para com outros países eu digo que com certeza também
existe recalque. É até interessante se pensar nisso, por que muita
gente atribui este ou estes sentimentos ao futebol.
Apesar
de ser um fenômeno claro, que acontece nas rixas, o recalque não pode
ser atribuído somente ao futebol, por que se fosse assim, seria uma
coisa pontual e única.
Hoje,
os mesmo problemas econômicos e sociais que o Brasil enfrenta a
Argentina também enfrenta. Para você ter uma ideia, da ultima vez que eu
estive lá eu entrei no país de ônibus e a primeira visão que você tem é
de uma grande favela.
● Ana Carolina Almeida – Qual é a visão de fora que os latinos possuem do Brasil? Algo parecido como "brasileiro cordial" ou algo incomum?
● Levi Freire Jr. – Não
é nada de incomum, não. Eu percebo exatamente isso, do brasileiro
cordial. O que a gente vê é que esta é ainda a visão do brasileiro no
exterior e não só na América Latina, mas também no resto do mundo.
Inclusive
a Embratur deixou de ser aquele órgão puramente burocrático, e acabou
se tornando uma agência de marketing da visão do Brasil no exterior.
Eles fazem campanha pelo mundo com personagens brasileiros de braços
abertos, sorrindo e completamente hospitaleiros.
Um
outro indício que a gente percebe no quesito da visão que eles tem de
nós é quando nós mesmo dizemos que somos brasileiros no exterior, eles
perguntam as coisas praxes (futebol, carnaval, samba...) e quando você
diz que é brasileiro eles, também, passam a te tratar melhor. Isto
quando estamos falando do brasileiro turista, porque quando
quem vai a estes países para estudar e/ou trabalhar a forma como é
tratado é outra bem diferente. A imagem que o brasileiro tem como
profissional no exterior é a do aproveitador e desonesto. Inclusive o
jeitinho brasileiro é muito mal visto.
● Ana Carolina Almeida – O que o Brasil pode(ria) aprender com outros países latinos e vice-versa? Seja na cultura, educação, hábitos etc.
● Levi Freire Jr. – Olha,
é uma pergunta bem difícil, mas eu penso que uma das coisas que o
Brasil poderia aprender com os outros países latino-americanos é a
concepção de unidade. Quando eu te digo isso eu não estou falando da
unificação dele com os vizinhos e sim de uma auto-unificação e um
auto-conhecimento.
É comum se ouvir que existem vários Brasis dentro de um Brasil, isto se dá por que não nos conhecemos.
Podemos
dizer que pela dimensão territorial do Brasil isto é difícil de
alcançar, no entanto eu acredito que se houvesse um interesse mútuo
maior entre os próprios brasileiros, não seria tão impossível assim. A
ignorância, ela no sentido de ignorar realmente (não levar em
consideração) ainda é muito forte entre nós brasileiros.
Agora
o que poderiam aprender conosco?! O nosso bem receber. Somos
hospitaleiros e de fato recebemos nossos convidados e visitantes muito
bem. Diferente de como somos tratados, por exemplo, na Argentina.
● Ana Carolina Almeida – Mas isto não se dá por que se trata de brasileiro?
● Levi Freire Jr. – Pode
ser. Mas infelizmente sempre tive a experiência de ser destratado como
Brasileiro. Ainda não pude trocar de nacionalidade para ver se é
diferente.
● Ana Carolina Almeida – Você acredita que seria possível uma integração entre os países latino-americanos? De que tipo?
● Levi Freire Jr. – Acho
que a integração que podemos ter é econômica. Já é complicado nós
brasileiros nos integrarmos devido a diversidade cultural, você imagina
termos que dar conta de abranger as outras diversas culturas que existem
na América Latina?!
Cultura
é cultura. A identidade vem dela também, então não é possível ela ser
agregada sem que se haja perda. E ninguém quer perder a sua identidade.
● Ana Carolina Almeida
– Estás querendo fazer especialização em Direito Internacional e tens
uma grande experiência de vida em vários países, não somente latinos. Em
que o Direito Internacional pode ser importante para o Brasil?
● Levi Freire Jr. – Veja
bem, com a questão da globalização a gente percebe que não só
mercadorias, produtos e serviços passaram a circular de uma forma mais
intensa. As pessoas também. Então neste intercâmbio é possível
acontecerem atritos.
Tu
imaginas: hoje você compra um produto no exterior, amanhã ele dá
problema; a quem você vai recorrer? Neste caso são as leis do Brasil que
estão valendo ou as leis do país que você comprou o produto? Ou digamos
que você tenha tido um problema na imigração e aconteceu uma situação
em que você achou que a sua pessoa foi ferida, que o seu direito foi
ferido. Que tipo de ajuda você pode pedir para resolver o problema? E
quem é que vai julgar o ocorrido?
Então
aí que o advogado internacional entra. Ele vem para tentar extinguir ou
encaminhar conflitos, sem que a soberania de nenhum dos países seja
atingido, compreendendo e fazendo uma mediação entre as leis dos
envolvidos.
● Ana Carolina Almeida – Por fim, uma pergunta-provocação: o Brasil é mais distante da América Latina ou da Amazônia?
● Levi Freire Jr. – Depende
da abrangência da pergunta. Do ponto de vista turístico, os brasileiros
ainda preferem visitar o exterior. Por que pensa assim: Sul e Sudeste
estão territorialmente mais próximos dos nossos Hermanos, do que de nós
aqui no norte. É melhor você passar duas horas em um avião indo para o
Chile, a passar quatro para vir para Belém.
Sem
contar que o aparato turístico de recepção também conta muito nessa
hora. Por exemplo, eu, Pará estou do lado da Colômbia. Só que para eu
chegar lá eu preciso pegar um avião para ir para São Paulo para depois
ir para a Colômbia.
Talvez
outro ponto importante neste meio seja o status de dizer que viajou
para o exterior. O poder viajar para Argentina ainda soa mais
impressionante que dizer que veio à Belém.
E
ainda acontece o seguinte: exótico para o turista europeu e americano é
a Amazônia. Mas e para nós que moramos aqui? Para onde a gente vai? O
que é o exótico pra gente?
Aí aparece o contrário. A Amazônia está mais perto de quem neste caso?
● Ana Carolina Almeida
– Mas falando de identificação, tu não achas que acontece talvez uma
identificação maior dos paulistas com os argentinos, do que dos mesmo
paulistas com os nortistas?
● Levi Freire Jr. – Não,
eu não acredito que isto aconteça. Eu acredito que na verdade o
brasileiro pode não se identificar como latino-americano, mas ele com
certeza se identifica como brasileiro. O que acontece é a ignorância
mesmo, no sentido de ignorar o que se tem no país somado ao
desconhecimento do mesmo.
Quer
um exemplo?! Um dia eu estava conversando com uma colega guia de
turismo e ela estava indignada por que depois de tanto tempo as pessoas
ainda não conheciam o norte do país. Na mesma medida eu perguntei a ela
se ela conhecia o Vale do Itajaí. A resposta dela foi “Já ouvi falar”.
Então daí você tira que não é só a ignorância e o desconhecimento do “Brasil” para conosco, mas do Brasil para com ele próprio.
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